domingo, 28 de julho de 2013

Banca Isslâmica - A Banca Halál (Lícita)

O Doutorado em Economia, Ernst F. Schumacher, inseriu a seguinte citação no seu livro “O Pequeno é Belo”: «A saúde espiritual e o bem-estar material não são inimigos, mas sim aliados naturais». O Oriente sabe que a matéria e o espírito são as extremidades duma mesma linha, enquanto no Ocidente são linhas de trabalho completamente distintas e independentes entre si.
O Ocidente criou uma economia inconsciente e violenta que ataca a natureza e o ser humano, uma economia hipertrófica que está nos seus limites. Se este “Titanic” em processo de colisão não corrigir o rumo desenfreado que leva, acabará por colidir definitivamente contra a sua própria criação, tal como temos vindo a presenciar nos últimos dois anos, e será engolido por ela.
Os bancos, grandes responsáveis e elementos participativos deste sistema económico, são um reflexo fidedigno do que aqui se diz, pois o seu objectivo é apenas maximizar os lucros e benefícios, fazendo com que estes sejam cada vez maiores, ano após ano.
Mas, nesta corrida que parece não ter fim, esqueceram-se que não há nada no mundo ou em todo o Universo que tenha um crescimento contínuo, sempre em linha recta para cima até o infinito, pois tudo o que sobe, desce, assim como a noite segue o dia e a maré baixa segue a alta. O que está a acontecer neste momento, não é mais do que um novo aviso perante essa ambição desmedida de um sistema financeiro especulativo, ganancioso e ao estilo do de casino.
É neste cenário de turbulência financeira e económica que o sistema bancário isslâmico tem algo a dizer, oferecendo uma alternativa à banca comum que temos vindo a conhecer até agora. Não com intenção de substituí-la, mas de proporcionar uma outra oportunidade ao cidadão, seja ele muçulmano ou não, e às empresas que assim o desejarem, de modo a poderem tomar uma opção diferente, com ética, transparente e responsável no que toca à sociedade em conjunto.
Quando se fala em finanças isslâmicas refere-se tacitamente à banca Halál (lícita), pois na realidade, estes dois conceitos não podem ser dissociados um do outro. Isso significa que há normas a serem cumpridas e regras e princípios éticos a serem respeitados, de acordo com a forma como o Isslam compreende o mundo em geral e a área de finanças em particular.
Desta forma, existem alguns princípios básicos que devem ficar bem claros desde o início, sem os quais este tipo de finanças não pode ser considerada isslâmica ou Halál. Por exemplo, não são autorizados investimentos em áreas que o Shari’ah entende como prejudiciais à comunidade, tais como as relacionadas com armamento, pornografia, álcool, tabaco ou suínos; todos estes sectores são considerados Harám (proibido).
E consta ainda no sagrado Al-Qur’án [2:275]: «ALLAH tornou lícito o comércio e proibiu o Ribá (juros e usura)» ; portanto, determinou-se assim a proibição de juros e usura. Aqui é necessário uma clarificação semântica, pois tal como se entende no sistema bancário ocidental, a usura é considerada como um lucro abusivo, enquanto no Isslam, usura é juro, por menor que seja.
A especulação não é permitida, pois o dinheiro é um meio e não um activo em si; portanto, para obter qualquer benefício monetário, o dinheiro deve estar necessariamente vinculado ao trabalho. Desta forma, é fácil concluir que no Isslam, o desenvolvimento económico é uma relação entre capital e trabalho.
De acordo com o que foi dito anteriormente, é bem provável que surja a seguinte pergunta: Se dirigir-me a algum banco isslâmico para pedir um empréstimo, será que me darão sem ter que pagar nada para além do capital que me for emprestado?
Obviamente que a resposta é não, pois mesmo os bancos isslâmicos têm a necessidade de obter retorno sobre o valor dos seus serviços; caso contrário, a sua existência não seria possível. Então, onde está a diferença?
O que o sistema bancário isslâmico faz é cobrar uma taxa fixa, pré-estabelecida e não abusiva, como pagamento do serviço prestado. Se pretendemos adquirir um bem ou serviço, o banco compra-o e depois vende-o a um preço superior, pagando o cliente este novo valor, diferido no tempo.
Se pretendemos utilizar esse bem durante um tempo determinado, nesse caso o que o banco faz é adquiri-lo e imediatamente alugá-lo a nós, estipulando de antemão o montante de cada contribuição periódica e o espaço de tempo em que as mesmas serão pagas; isto é algo semelhante ao que nos bancos ocidentais se conhece por “leasing”.
Outra forma de aceder ao capital do banco é quando se pretende iniciar um negócio; neste caso, o que o banco faz é tornar-se sócio do interessado, entrando participativamente como sócio da empresa, no total ou em parte do risco envolvido, obtendo por seu turno lucros e benefícios quando existem e suportando igualmente os prejuízos, caso estes ocorram e o negócio não seja lucrativo.
Em todos estes exemplos existe um factor comum, pois contrariamente ao que estamos habituados, a banca isslâmica partilha também o risco com o seu cliente. Pode ganhar, mas também pode vir a perder, situação que não acontece nos bancos do sistema ocidental, que sempre saem com ganhos mas nunca participam nas perdas do capital.
Do que se sabe, os empréstimos bancários têm sido destinados somente àqueles que possuem algum património próprio, porém nunca aos que têm boas e viáveis ideias de negócio mas que carecem de capital. A estes últimos, a banca isslâmica também pode conceder créditos.
O sistema que a banca ocidental disponibiliza para garantir o reembolso do capital emprestado compromete os bens do devedor, os quais por norma representam um valor muito superior ao do empréstimo solicitado; ou seja, o resultado é sempre a celebração de um contrato predatório, mas paradoxalmente legal e socialmente aceite. Se por ventura as coisas vierem a correr mal, o devedor perderá tudo. Relativamente a esta situação, Mark Twain disse: «Um banqueiro é alguém que quando o sol brilha, deixa um guarda-chuva, quando começa a chover, retira-o».
Em contrapartida, ao partilhar o risco e ao participar no ganho e na perda, a banca isslâmica torna o sistema económico-financeiro muito mais justo e equitativo. Por conseguinte, o que o sistema bancário ocidental baseado nos juros faz é ampliar as desigualdades sociais, contrariamente ao sistema isslâmico, que é muito mais equilibrado e responsável, uma vez que também se envolve no sucesso empresarial e na gestão, pois se o cliente perde o banco também perde. Sendo assim, deduz-se que os empreendimentos levados a cabo através de financiamento isslâmico têm mais probabilidade de chegar a bom porto.
Como já foi mencionado, outra diferença substancial no sistema bancário isslâmico é a ausência de especulação financeira. Portanto, toda a actividade económica está focada numa economia real, dando lugar à criação de capital para empresas e postos de trabalho, gerando mais riqueza mas menos ricos.
O que o sistema especulativo de financiamento ocidental faz é tornar os preços mais elevados de matérias-primas e bens necessários à subsistência digna da população, principalmente aquela que ocupa o Hemisfério Sul, provocando assim o aumento das bolsas de pobreza e promovendo um sistema injusto e desigual, alargando o fosso entre ricos e pobres.
Uma outra característica da banca isslâmica é que a dívida não pode ser vendida nem “mudar de mãos”. O risco de assumi-la desde o início até o fim deve ser apenas do credor original, ou seja, do banco que cedeu os direitos do crédito. Esta prática está totalmente normalizada no sistema bancário que conhecemos e é uma das principais razões que tem levado ao colapso do “castelo de cartas” e à crise sistémica que experienciamos, com a venda de dívidas hipotecárias (prime e suprime) .
Foi dito que quando se refere à banca isslâmica fala-se duma banca ética, apesar da associação de banca com ética soar como um oximoro e parecer uma contradição não só aos nossos ouvidos, como também devido a experiências pessoais de clientes do sistema bancário ocidental. Entretanto, isso é algo realmente possível dentro do sistema bancário isslâmico, já que este não só se interessa pelo lucro como também pelos indivíduos e pela comunidade, detendo um importante interesse social.
Tal como se mencionou anteriormente, o sistema bancário isslâmico não permite o financiamento de projectos que estejam contra os princípios do Shari’ah. Para além disso, também não é permitido financiar empresas que exploram a natureza de forma desmedida ou que recorrem à mão-de-obra infantil.
Fora tudo isso, o cliente pode decidir a que tipo de investimento se destina o seu dinheiro e conhecer a situação do seu capital a qualquer momento.
Portanto, pode-se afirmar sem qualquer equívoco que esta forma de banca representa uma nova alternativa para o que tem sido o sistema financeiro que conhecemos. É um modelo de investimento socialmente responsável, que cuida não só do capital como também da comunidade.
Assim, relativamente ao sistema de juros, usura e especulação, a única alternativa é a banca ética, neste caso a banca ética isslâmica, para superar as injustiças sociais de um capitalismo voraz (devorador).

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